quinta-feira, 26 de novembro de 2020

O PERCURSO DE UMA ARTISTA - ROSANA PAULINO

 

Olá comunidade escolar e demais leitores. 

Aproveitem essa entrevista com a  artista visual, pesquisadora e educadora Rosana Paulino que conta um pouco sobre o universo rico de sua  infância, do convívio com os pais e com a natureza, as brincadeiras e aprendizagens que até hoje alimenta o seu processo criativo e também nos fala  um pouco do percurso de sua formação acadêmica.  Caso queira saber um pouco mais sobre esta artista clique aqui  site da artista Rosana Paulino

Segue a entrevista: Rosana Paulino


O que considera ser imprescindível contar sobre si, de suas primeiras experiências significativas a partir de suas leituras de mundo? E em sua juventude, suas experiências no Ensino Médio, como estudante, período das escolhas para a graduação?

Principalmente na infância, o que eu acho imprescindível é falar da curiosidade em entender como o mundo funciona, a curiosidade em olhar as formigas, a curiosidade em olhar as plantas. A minha casa é uma casa antiga, a casa dos meus pais.  Falando neste sentido, a casa dos meus pais era uma casa antiga com um terreno grande, desses terrenos de periferia que as vezes  são muito grandes. Então, minha mãe costumava, até por razões econômicas, ter uma horta no fundo da casa, o que poderia ser visto como sinal de pobreza, mas na verdade era um luxo.  Primeiro porque mantinha a alimentação saudável e não faltava nada, e segundo porque a gente podia ver o ciclo da vida. A gente via desde a semente indo para o chão até colher. Eu tirei muito milho do quintal dos meus pais, era muito interessante ver esse ciclo da vida. Nós também não tínhamos muito dinheiro para comprar brinquedos, os brinquedos geralmente nós ganhávamos. Teve caso de ganharmos muitos brinquedos e em bom estado, mas como dizia minha mãe"esse brinquedo que você põe a pilha, e o brinquedo brinca sozinho, é bobo". Então, o que minha mãe fazia? Ela fazia nossos móveis pequeninos. Ela tinha muito jeito com marcenaria, então fazia cadeirinha, mesinha, guarda-roupa... Já começava ali uma questão de olhar para o fazer, já começava a criação de um senso estético. Então vai brincar no barro, vai fazer bonequinho, vai fazer tartaruga; tem que deixar secar. Secou a tartaruga, tem que pintar. Aprendi a observar o mundo como uma maneira de transmitir esse mundo, de entender esse mundo e fazer este mundo através do desenho, da arte, da modelagem, por exemplo. No segundo grau (hoje conhecido como Ensino Médio) esta curiosidade continuou, nas duas áreas: na área da ciência e na das artes. Essa vertente continuou, tanto científica como artística. Elas continuaram e falam muito de quem eu sou agora e de como desenvolvo minha prática artística.


E suas experiências durante a graduação? Você poderia nos contar um pouco sobre como aconteceu a aproximação com as disciplinas que contribuíram para se reconhecer como artista? Ou antes da graduação, você já tinha consigo essa compreensão? Você pode nos contar sobre as referências que lhe inspiravam? E entre os professores, quem marcou sua história?

Quando entrei na universidade, já tinha interesse em algumas disciplinas. A cerâmica era uma delas, embora eu não tenha me desenvolvido nem na cerâmica, nem na gravura, como eu pensava. O desenho e a gravura eram disciplinas com as quais eu já tinha tido um pequeno contato, antes mesmo de entrar na graduação. A cerâmica, a questão do barro vem desde criança, como eu coloquei na resposta anterior. O desenho vem desde criança também e com a gravura eu fui tomando contato à medida que fui lendo sobre a História da Arte, aprendendo um pouquinho sobre ela, aquela coisa dos pais comprarem “Gênios da pintura”. Meu pai fez um acordo com o jornaleiro: toda semana chegavam os fascículos e eu ia correndo para a banca. Acho que era toda quinta-feira que chegava. Na quarta, eu já começava a encher o jornaleiro: “Já chegou? Já chegou?”. Era uma coleção internacional em que obviamente eu não me sentia representada. Na época, eu me perguntava: “Mas por que não tem nenhum pintor negro aqui?”, “Por que não tem um brasileiro aqui?”. Então, por exemplo, Picasso me chamou muito a atenção pela excelência do desenho e até hoje eu acho que Picasso é muito mais desenhista do que pintor. Todo mundo que gosta de desenho vai gostar de Picasso, não tem como! Porque ele realmente faz soluções muito inovadoras para o desenho, mas eu não considero assim uma influência. Aprendi muito obviamente olhando os desenhos renascentistas, o desenho europeu, mas não sei se eu poderia falar que são influências fortes, ou que foram influências fortes nesse primeiro momento da universidade, mas os museus me atraíam muito. Acho que o museu dava a possibilidade de desenvolver o lado artístico e também o lado da ciência, que eu gosto muito, então não foi à toa que eu acabei ficando quase três anos como estagiária do laboratório de papel, de conservação e restauro de papel do MAC USP (Museu de arte Contemporânea da Universidade de São Paulo) . Meio lógico, porque restauro junta duas paixões que eu tenho, a paixão por papel, porque eu gosto de desenho, mas eu acho que gostar de papel também ajuda a gostar da gravura, e a paixão por Química e Biologia.  Porque restauro é isso! É Química, é Física, é Ciência aplicada à Arte, nesse sentido de técnica mesmo, então tive a sorte de conseguir estágio como assistente no laboratório de restauração do MAC USP. Sobre os professores e professoras na USP eu tive muita sorte de entrar num período muito bom da universidade. Tadeu Chiarelli foi uma pessoa fundamental, inúmeras vezes depois da aula dele, que era numa sexta à tarde,  se não me engano, nós íamos, eu e alguns outros alunos tomar um café com um pão de queijo na lanchonete dos estudantes...Essas conversas depois da aula foram absolutamente fundamentais para pensar arte, pensar o que é um projeto artístico e isso eu carrego comigo, não tem como tirar! O Evandro Carlos Jardim foi um professor notável, absolutamente fantástico em todos os sentidos, tendo a técnica de professor, de mestre mesmo... eu tive essa sorte de ter professores muito bons. Anna Teresa Fabris foi uma grande professora também, foi muito bom ter estudado com ela... a Regina Silveira na área da gravura, que era uma das coisas que eu queria... então, a ECA – USP (Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo ) foi uma grande escola.


Há algum percurso ou modo de aproximação que você acredita ser interessante compartilhar com os professores para se inspirarem no momento de compartilhar o seu trabalho com os estudantes do Ensino Médio?

Olha, eu acho que não há um percurso que eu possa sugerir, porque isso varia também de como o professor vai se aproximar do meu trabalho. Um trabalho sempre se completa com o outro, então o trabalho é aquilo que eu proponho mais a experiência de quem vê. Sugerir um roteiro, um modo de aproximação, eu acho um pouco complicado, porque pode ser uma “camisa de força”; o roteiro pode tirar o impacto daquele contato inicial com o trabalho. Agora uma coisa que eu diria: “Não tenha medo do trabalho, não tenha medo, se aproxime com curiosidade...” e voltamos de novo à curiosidade. Se aproxime do trabalho com curiosidade! Olhe com atenção, faça perguntas. Por que foi usada essa técnica? Por que, nesse caso, ela usa a colagem, no outro ela usa tecido, no outro ela costura, no outro faz gravura? Ela usa fotografia? Então, “pergunte ao trabalho”, olhe com curiosidade para o trabalho. E ainda uma coisa que eu acho que vale a pena chamar a atenção é que a arte, para alguns artistas, como é o meu caso, a arte somente em si não basta, ela tem que dialogar com outras áreas. Então, no meu caso, vou dialogar com a História, vou dialogar com a Ciência, com a Sociologia, vou dialogar com várias outras vertentes e também com a Arte popular; vou dialogar com a costura, e com vários elementos que são formativos, que são importantes para mim. Então diria isso também: “Curiosidade! “Pergunte ao trabalho” e note como o trabalho conversa com outras áreas



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