quinta-feira, 26 de novembro de 2020

NARRATIVAS VISUAIS DE ELIDAYANA ALEXANDRINO


Olá, mais uma entrevista para nos aproximar das poéticas de artistas visuais e de seus processos riativos. Dessa vez com a artista, educadora e curadora Elidayana Alexandrino.




Você poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória, desde sua infância, passando por suas vivências na escola até a graduação. Existências estas, que acredita tê-la trazido ao que hoje reconhece em sua profissão enquanto, artista, curadora e educadora?

Essa relação que tenho com as imagens vem da infância, meu primeiro contato com arte se deu por meio de reproduções de pinturas em livros didáticos, cartões postais e calendários. Minha mãe sempre trabalhou como faxineira e uma vez como pagamento ela recebeu uma caixa de livros com essas reproduções de imagens que citei e me deu de presente. Posso dizer que esse foi o maior presente que recebi na vida, porque mudou completamente a minha história, percebo que ter acesso a Arte dessa forma foi algo fundamental para a formação do meu olhar. Eu também brincava com as minhas irmãs com jogos da memória que vinham nas caixas de mingau, assim cresci numa casa cheia de imagens e palavras, eu já fazia leitura de imagens com as minhas irmãs sem nem saber, era divertido porque uma desafiava a outra para encontrar elementos nas imagens a partir desse material que chegavam até nós.

As experiências na escola não foram muito boas, assim como a maioria das crianças negras conheci o racismo muito cedo, mas no Ensino Médio tive uma professora de Educação Artística que apresentou a chamada “História da Arte”, me interessei muito pelo assunto, comecei a colecionar recortes de jornais e revistas com matérias sobre Arte e Cultura. Tenho cadernos e pastas até hoje dessa época (início da década de 2000), essa atitude já era um modo de pesquisa, apesar de não saber exatamente o que estava fazendo, ao organizar as imagens em pastas e cadernos estava montando uma espécie de curadoria com aqueles recortes. Esse interesse pelo mundo da arte foi crescendo e em 2006 tive a oportunidade de conhecer o MASP ( Museu de Arte de São Paulo), a convite de um amigo que estagiava lá. Assim conheci pela primeira vez um museu no auge dos meus 19 anos. Foi ali que decidi que iria ser uma profissional da cultura. Em 2007 consigo entrar na faculdade, sendo a primeira mulher da minha família a acessar o ensino superior, como bolsista do ProUni cursei Artes Plásticas - Licenciatura em Educação Artística pela Universidade Braz Cubas, em Mogi das Cruzes. Essa experiência foi muito significa porque meu interesse era estudar as imagens, saber mais sobre História da Arte. Naquele momento não me imaginava artista e nem professora, mas ao longo do curso fui me aproximando das técnicas e cada vez mais da educação e  conheci a pedagogia de Paulo Freire que foi muito importante porque entendi a educação de uma forma mais humana e possível, além disso frequentei muitos cursos para professores em museus de São Paulo, Conheci as potencialidades da educação não formal  por meio dos programas educativos e me apaixonei, quando conclui o curso dois anos  depois, já em 2012 tive a minha primeira experiência como educadora na Caixa Cultural e depois na Pinacoteca do Estado de São Paulo, onde desenvolvi um trabalho com diferentes públicos, desde crianças pequenas a idosos. De para cá não parei mais, hoje sinto que meu museu é o mundo, inclusive em 2019 fui responsável pelas visitas educativas durante o Festival de Artes Vertentes em Tiradentes (MG). Não consigo me ver mais longe da arte e nem da educação, atualmente participo de projetos com coletivos de educadores e artistas que me fortalecem nessa caminhada, realizando ações na periferia que é o meu território, compartilhando o que sei para que mais jovens como eu possam continuar sonhando e construindo futuros.

 

Você vem desenvolvendo uma pesquisa extensa partindo do que suscitam as imagens e como elas conversam entre si. E o projeto Narrativas que se encontram, se expande em outros projetos. Nos conte mais sobre o  Laboratório de escuta de imagens .

O Projeto laboratório de escuta de imagens foi criado como desdobramento do Projeto Narrativas que se encontram. Uma forma de tirar do espaço virtual da internet e colocar as imagens no espaço físico. Uma forma experimental de “ouvir” as imagens, de se relacionar de forma sinestésica.

A primeira experiência foi no instituto federal de Itaquaquecetuba,  com os estudantes  do Ensino Médio. Depois levei para Pinacoteca de São Paulo, e essa proposta fez parte das atividades da exposição Somos muit+s: experimento sobre coletividade, 2020.

A ideia surgiu tomando como referência a proposta do álbum de família, que é feito para “ouvir”, ou seja, a imagem se completa a partir da voz de quem conta a memória. No laboratório convido as pessoas a “ouvirem” as memórias das imagens, é algo muito subjetivo e experimental mesmo, em que “ouvir” é uma metáfora para ir além do olhar, trata-se de “pensar, refletir sobre as imagens. É diferente da leitura de imagens ou interpretação porque convido as pessoas a conversarem com as imagens, não há hierarquia nessa relação, a proposta é que elas se encontrem com as imagens e a partir das suas percepções criem uma curadoria coletiva

Eu não contextualizo e nem abordo questões biográficas dos artistas, nessa proposta a imagem é autônoma.

Eu me comporto como propositora!

 

Como artista, educadora e curadora, como você tem percebido as urgências que a juventude vem expondo nas imagens que produzem? O que poderia contribuir para o professor construir junto aos estudantes possibilidades de curadorias na escola?

Os jovens cada vez mais querem ser respeitados dentro das suas identidades, querem ter sua humanidade legitimada, acredito que a escuta aberta é melhor forma de construir diálogos. A curadoria pode começar a partir de si, do autoconhecimento, estimular a autonomia é um caminho. Outra questão urgente é formar jovens pesquisadores, esse é o grande desafio da escola, porque com o advento da internet o campo de pesquisa parece reduzido, mas na verdade é só uma das ferramentas, tentar aproximar os jovens do próprio cotidiano pode também ser um lugar de experimentações para curadorias.

De que forma você nutre sua própria formação e o seu repertório em Arte e Cultura, que considera que seria interessante compartilhar com os professores do Ensino Médio?

As redes sociais têm sido um espaço de pesquisas porque fazem parte do meu cotidiano, mas não só, todas as imagens me atravessam, a publicidade, propagandas, imagens de embalagens que são consideradas banais, estampas de roupas, o que é considerado “ordinário” me interessa muito, justamente porque foge do campo da “Arte” com “A maiúsculo”, são essas imagens que circulam naturalmente e não estão institucionalizadas, então são essas que chegam com frequência na vida das pessoas, eu me interesso pelo fluxo da vida e é a vida que tem me mostrado artistas que também estão fora do eixo hegemônico, que buscam descolonizar o olhar, tencionar imagens e  romper com as estruturas excludentes.


O PERCURSO DE UMA ARTISTA - ROSANA PAULINO

 

Olá comunidade escolar e demais leitores. 

Aproveitem essa entrevista com a  artista visual, pesquisadora e educadora Rosana Paulino que conta um pouco sobre o universo rico de sua  infância, do convívio com os pais e com a natureza, as brincadeiras e aprendizagens que até hoje alimenta o seu processo criativo e também nos fala  um pouco do percurso de sua formação acadêmica.  Caso queira saber um pouco mais sobre esta artista clique aqui  site da artista Rosana Paulino

Segue a entrevista: Rosana Paulino


O que considera ser imprescindível contar sobre si, de suas primeiras experiências significativas a partir de suas leituras de mundo? E em sua juventude, suas experiências no Ensino Médio, como estudante, período das escolhas para a graduação?

Principalmente na infância, o que eu acho imprescindível é falar da curiosidade em entender como o mundo funciona, a curiosidade em olhar as formigas, a curiosidade em olhar as plantas. A minha casa é uma casa antiga, a casa dos meus pais.  Falando neste sentido, a casa dos meus pais era uma casa antiga com um terreno grande, desses terrenos de periferia que as vezes  são muito grandes. Então, minha mãe costumava, até por razões econômicas, ter uma horta no fundo da casa, o que poderia ser visto como sinal de pobreza, mas na verdade era um luxo.  Primeiro porque mantinha a alimentação saudável e não faltava nada, e segundo porque a gente podia ver o ciclo da vida. A gente via desde a semente indo para o chão até colher. Eu tirei muito milho do quintal dos meus pais, era muito interessante ver esse ciclo da vida. Nós também não tínhamos muito dinheiro para comprar brinquedos, os brinquedos geralmente nós ganhávamos. Teve caso de ganharmos muitos brinquedos e em bom estado, mas como dizia minha mãe"esse brinquedo que você põe a pilha, e o brinquedo brinca sozinho, é bobo". Então, o que minha mãe fazia? Ela fazia nossos móveis pequeninos. Ela tinha muito jeito com marcenaria, então fazia cadeirinha, mesinha, guarda-roupa... Já começava ali uma questão de olhar para o fazer, já começava a criação de um senso estético. Então vai brincar no barro, vai fazer bonequinho, vai fazer tartaruga; tem que deixar secar. Secou a tartaruga, tem que pintar. Aprendi a observar o mundo como uma maneira de transmitir esse mundo, de entender esse mundo e fazer este mundo através do desenho, da arte, da modelagem, por exemplo. No segundo grau (hoje conhecido como Ensino Médio) esta curiosidade continuou, nas duas áreas: na área da ciência e na das artes. Essa vertente continuou, tanto científica como artística. Elas continuaram e falam muito de quem eu sou agora e de como desenvolvo minha prática artística.


E suas experiências durante a graduação? Você poderia nos contar um pouco sobre como aconteceu a aproximação com as disciplinas que contribuíram para se reconhecer como artista? Ou antes da graduação, você já tinha consigo essa compreensão? Você pode nos contar sobre as referências que lhe inspiravam? E entre os professores, quem marcou sua história?

Quando entrei na universidade, já tinha interesse em algumas disciplinas. A cerâmica era uma delas, embora eu não tenha me desenvolvido nem na cerâmica, nem na gravura, como eu pensava. O desenho e a gravura eram disciplinas com as quais eu já tinha tido um pequeno contato, antes mesmo de entrar na graduação. A cerâmica, a questão do barro vem desde criança, como eu coloquei na resposta anterior. O desenho vem desde criança também e com a gravura eu fui tomando contato à medida que fui lendo sobre a História da Arte, aprendendo um pouquinho sobre ela, aquela coisa dos pais comprarem “Gênios da pintura”. Meu pai fez um acordo com o jornaleiro: toda semana chegavam os fascículos e eu ia correndo para a banca. Acho que era toda quinta-feira que chegava. Na quarta, eu já começava a encher o jornaleiro: “Já chegou? Já chegou?”. Era uma coleção internacional em que obviamente eu não me sentia representada. Na época, eu me perguntava: “Mas por que não tem nenhum pintor negro aqui?”, “Por que não tem um brasileiro aqui?”. Então, por exemplo, Picasso me chamou muito a atenção pela excelência do desenho e até hoje eu acho que Picasso é muito mais desenhista do que pintor. Todo mundo que gosta de desenho vai gostar de Picasso, não tem como! Porque ele realmente faz soluções muito inovadoras para o desenho, mas eu não considero assim uma influência. Aprendi muito obviamente olhando os desenhos renascentistas, o desenho europeu, mas não sei se eu poderia falar que são influências fortes, ou que foram influências fortes nesse primeiro momento da universidade, mas os museus me atraíam muito. Acho que o museu dava a possibilidade de desenvolver o lado artístico e também o lado da ciência, que eu gosto muito, então não foi à toa que eu acabei ficando quase três anos como estagiária do laboratório de papel, de conservação e restauro de papel do MAC USP (Museu de arte Contemporânea da Universidade de São Paulo) . Meio lógico, porque restauro junta duas paixões que eu tenho, a paixão por papel, porque eu gosto de desenho, mas eu acho que gostar de papel também ajuda a gostar da gravura, e a paixão por Química e Biologia.  Porque restauro é isso! É Química, é Física, é Ciência aplicada à Arte, nesse sentido de técnica mesmo, então tive a sorte de conseguir estágio como assistente no laboratório de restauração do MAC USP. Sobre os professores e professoras na USP eu tive muita sorte de entrar num período muito bom da universidade. Tadeu Chiarelli foi uma pessoa fundamental, inúmeras vezes depois da aula dele, que era numa sexta à tarde,  se não me engano, nós íamos, eu e alguns outros alunos tomar um café com um pão de queijo na lanchonete dos estudantes...Essas conversas depois da aula foram absolutamente fundamentais para pensar arte, pensar o que é um projeto artístico e isso eu carrego comigo, não tem como tirar! O Evandro Carlos Jardim foi um professor notável, absolutamente fantástico em todos os sentidos, tendo a técnica de professor, de mestre mesmo... eu tive essa sorte de ter professores muito bons. Anna Teresa Fabris foi uma grande professora também, foi muito bom ter estudado com ela... a Regina Silveira na área da gravura, que era uma das coisas que eu queria... então, a ECA – USP (Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo ) foi uma grande escola.


Há algum percurso ou modo de aproximação que você acredita ser interessante compartilhar com os professores para se inspirarem no momento de compartilhar o seu trabalho com os estudantes do Ensino Médio?

Olha, eu acho que não há um percurso que eu possa sugerir, porque isso varia também de como o professor vai se aproximar do meu trabalho. Um trabalho sempre se completa com o outro, então o trabalho é aquilo que eu proponho mais a experiência de quem vê. Sugerir um roteiro, um modo de aproximação, eu acho um pouco complicado, porque pode ser uma “camisa de força”; o roteiro pode tirar o impacto daquele contato inicial com o trabalho. Agora uma coisa que eu diria: “Não tenha medo do trabalho, não tenha medo, se aproxime com curiosidade...” e voltamos de novo à curiosidade. Se aproxime do trabalho com curiosidade! Olhe com atenção, faça perguntas. Por que foi usada essa técnica? Por que, nesse caso, ela usa a colagem, no outro ela usa tecido, no outro ela costura, no outro faz gravura? Ela usa fotografia? Então, “pergunte ao trabalho”, olhe com curiosidade para o trabalho. E ainda uma coisa que eu acho que vale a pena chamar a atenção é que a arte, para alguns artistas, como é o meu caso, a arte somente em si não basta, ela tem que dialogar com outras áreas. Então, no meu caso, vou dialogar com a História, vou dialogar com a Ciência, com a Sociologia, vou dialogar com várias outras vertentes e também com a Arte popular; vou dialogar com a costura, e com vários elementos que são formativos, que são importantes para mim. Então diria isso também: “Curiosidade! “Pergunte ao trabalho” e note como o trabalho conversa com outras áreas