Essa relação
que tenho com as imagens vem da infância, meu primeiro contato com arte se deu
por meio de reproduções de pinturas em livros didáticos, cartões postais e
calendários. Minha mãe sempre trabalhou como faxineira e uma vez como pagamento
ela recebeu uma caixa de livros com essas reproduções de imagens que citei e me
deu de presente. Posso dizer que esse foi o maior presente que recebi na vida,
porque mudou completamente a minha história, percebo que ter acesso a Arte
dessa forma foi algo fundamental para a formação do meu olhar. Eu também
brincava com as minhas irmãs com jogos da memória que vinham nas caixas de
mingau, assim cresci numa casa cheia de imagens e palavras, eu já fazia leitura
de imagens com as minhas irmãs sem nem saber, era divertido porque uma
desafiava a outra para encontrar elementos nas imagens a partir desse material que
chegavam até nós.
As
experiências na escola não foram muito boas, assim como a maioria das crianças
negras conheci o racismo muito cedo, mas no Ensino Médio tive uma professora de
Educação Artística que apresentou a chamada “História da Arte”, me interessei
muito pelo assunto, comecei a colecionar recortes de jornais e revistas com
matérias sobre Arte e Cultura. Tenho cadernos e pastas até hoje dessa época
(início da década de 2000), essa atitude já era um modo de pesquisa, apesar de
não saber exatamente o que estava fazendo, ao organizar as imagens em pastas e
cadernos estava montando uma espécie de curadoria com aqueles recortes. Esse
interesse pelo mundo da arte foi crescendo e em 2006 tive a oportunidade de
conhecer o MASP ( Museu de Arte de São Paulo), a convite de um amigo que
estagiava lá. Assim conheci pela primeira vez um museu no auge dos meus 19 anos.
Foi ali que decidi que iria ser uma profissional da cultura. Em 2007 consigo
entrar na faculdade, sendo a primeira mulher da minha família a acessar o
ensino superior, como bolsista do ProUni cursei Artes Plásticas - Licenciatura
em Educação Artística pela Universidade Braz Cubas, em Mogi das Cruzes. Essa
experiência foi muito significa porque meu interesse era estudar as imagens,
saber mais sobre História da Arte. Naquele momento não me imaginava artista e
nem professora, mas ao longo do curso fui me aproximando das técnicas e cada
vez mais da educação e conheci a
pedagogia de Paulo Freire que foi muito importante porque entendi a educação de
uma forma mais humana e possível, além disso frequentei muitos cursos para
professores em museus de São Paulo, Conheci as potencialidades da educação não
formal por meio dos programas educativos
e me apaixonei, quando conclui o curso dois anos depois, já em 2012 tive a minha primeira
experiência como educadora na Caixa Cultural e depois na Pinacoteca do Estado
de São Paulo, onde desenvolvi um trabalho com diferentes públicos, desde
crianças pequenas a idosos. De para cá não parei mais, hoje sinto que meu museu
é o mundo, inclusive em 2019 fui responsável pelas visitas educativas durante o
Festival de Artes Vertentes em Tiradentes (MG). Não consigo me ver mais longe
da arte e nem da educação, atualmente participo de projetos com coletivos de
educadores e artistas que me fortalecem nessa caminhada, realizando ações na
periferia que é o meu território, compartilhando o que sei para que mais jovens
como eu possam continuar sonhando e construindo futuros.
Você vem desenvolvendo uma pesquisa extensa
partindo do que suscitam as imagens e como elas conversam entre si. E o projeto
Narrativas que se encontram, se expande em outros projetos. Nos conte mais
sobre o Laboratório de escuta de imagens .
O Projeto
laboratório de escuta de imagens foi criado
como desdobramento do Projeto
Narrativas que se encontram. Uma forma de tirar do
espaço virtual da internet e colocar as imagens no espaço físico. Uma forma
experimental de “ouvir” as imagens, de se relacionar de forma sinestésica.
A primeira experiência foi no instituto federal de
Itaquaquecetuba, com os estudantes do Ensino Médio. Depois levei para Pinacoteca
de São Paulo, e essa proposta fez parte das atividades da exposição Somos muit+s: experimento sobre coletividade, 2020.
A ideia surgiu tomando como referência a proposta do
álbum de família, que é feito para “ouvir”, ou seja, a imagem se completa a
partir da voz de quem conta a memória. No laboratório convido as pessoas a “ouvirem”
as memórias das imagens, é algo muito subjetivo e experimental mesmo, em que
“ouvir” é uma metáfora para ir além do olhar, trata-se de “pensar, refletir
sobre as imagens. É diferente da leitura de imagens ou interpretação porque
convido as pessoas a conversarem com as imagens, não há hierarquia nessa
relação, a proposta é que elas se encontrem com as imagens e a partir das suas percepções
criem uma curadoria coletiva
Eu não contextualizo e nem abordo questões
biográficas dos artistas, nessa proposta a imagem é autônoma.
Eu me comporto como propositora!
Como artista, educadora e curadora, como você
tem percebido as urgências que a juventude vem expondo nas imagens que
produzem? O que poderia contribuir para o professor construir junto aos
estudantes possibilidades de curadorias na escola?
Os jovens
cada vez mais querem ser respeitados dentro das suas identidades, querem ter
sua humanidade legitimada, acredito que a escuta aberta é melhor forma de
construir diálogos. A curadoria pode começar a partir de si, do
autoconhecimento, estimular a autonomia é um caminho. Outra questão urgente é
formar jovens pesquisadores, esse é o grande desafio da escola, porque com o
advento da internet o campo de pesquisa parece reduzido, mas na verdade é só
uma das ferramentas, tentar aproximar os jovens do próprio cotidiano pode
também ser um lugar de experimentações para curadorias.
De que forma você nutre sua própria formação e
o seu repertório em Arte e Cultura, que considera que seria interessante
compartilhar com os professores do Ensino Médio?
As redes
sociais têm sido um espaço de pesquisas porque fazem parte do meu cotidiano,
mas não só, todas as imagens me atravessam, a publicidade, propagandas, imagens
de embalagens que são consideradas banais, estampas de roupas, o que é
considerado “ordinário” me interessa muito, justamente porque foge do campo da “Arte”
com “A maiúsculo”, são essas imagens que circulam naturalmente e não estão
institucionalizadas, então são essas que chegam com frequência na vida das
pessoas, eu me interesso pelo fluxo da vida e é a vida que tem me mostrado
artistas que também estão fora do eixo hegemônico, que buscam descolonizar o
olhar, tencionar imagens e romper com as
estruturas excludentes.