Olá comunidade escolar e demais leitores.
Aproveitem essa entrevista com a artista visual, pesquisadora e educadora Rosana Paulino que conta um pouco sobre o universo rico de sua infância, do convívio com os pais e com a natureza, as brincadeiras e aprendizagens que até hoje alimenta o seu processo criativo e também nos fala um pouco do percurso de sua formação acadêmica.
Caso queira saber um pouco mais sobre esta artista clique aqui site da artista Rosana PaulinoSegue a entrevista: Rosana Paulino
O que considera ser
imprescindível contar sobre si, de suas primeiras experiências significativas a
partir de suas leituras de mundo? E em sua juventude, suas experiências no
Ensino Médio, como estudante, período das escolhas para a graduação?
Principalmente na infância, o que
eu acho imprescindível é falar da curiosidade em entender como o mundo
funciona, a curiosidade em olhar as formigas, a curiosidade em olhar as
plantas. A minha casa é uma casa antiga, a casa dos meus pais. Falando neste sentido, a casa dos meus pais
era uma casa antiga com um terreno grande, desses terrenos de periferia que as
vezes são muito grandes. Então, minha
mãe costumava, até por razões econômicas, ter uma horta no fundo da casa, o que
poderia ser visto como sinal de pobreza, mas na verdade era um luxo. Primeiro porque mantinha a alimentação
saudável e não faltava nada, e segundo porque a gente podia ver o ciclo da
vida. A gente via desde a semente indo para o chão até colher. Eu tirei muito
milho do quintal dos meus pais, era muito interessante ver esse ciclo da vida.
Nós também não tínhamos muito dinheiro para comprar brinquedos, os brinquedos
geralmente nós ganhávamos. Teve caso de ganharmos muitos brinquedos e em bom
estado, mas como dizia minha mãe"esse brinquedo que você põe a pilha, e o
brinquedo brinca sozinho, é bobo". Então, o que minha mãe fazia? Ela fazia
nossos móveis pequeninos. Ela tinha muito jeito com marcenaria, então fazia
cadeirinha, mesinha, guarda-roupa... Já começava ali uma questão de olhar para
o fazer, já começava a criação de um senso estético. Então vai brincar no
barro, vai fazer bonequinho, vai fazer tartaruga; tem que deixar secar. Secou a
tartaruga, tem que pintar. Aprendi a observar o mundo como uma maneira de
transmitir esse mundo, de entender esse mundo e fazer este mundo através do
desenho, da arte, da modelagem, por exemplo. No segundo grau (hoje conhecido como
Ensino Médio) esta curiosidade continuou, nas duas áreas: na área da ciência e
na das artes. Essa vertente continuou, tanto científica como artística. Elas
continuaram e falam muito de quem eu sou agora e de como desenvolvo minha
prática artística.
E suas experiências durante a
graduação? Você poderia nos contar um pouco sobre como aconteceu a aproximação
com as disciplinas que contribuíram para se reconhecer como artista? Ou antes
da graduação, você já tinha consigo essa compreensão? Você pode nos contar
sobre as referências que lhe inspiravam? E entre os professores, quem marcou sua
história?
Quando entrei na universidade, já
tinha interesse em algumas disciplinas. A cerâmica era uma delas, embora eu não
tenha me desenvolvido nem na cerâmica, nem na gravura, como eu pensava. O
desenho e a gravura eram disciplinas com as quais eu já tinha tido um pequeno
contato, antes mesmo de entrar na graduação. A cerâmica, a questão do barro vem
desde criança, como eu coloquei na resposta anterior. O desenho vem desde
criança também e com a gravura eu fui tomando contato à medida que fui lendo
sobre a História da Arte, aprendendo um pouquinho sobre ela, aquela coisa dos
pais comprarem “Gênios da pintura”. Meu pai fez um acordo com o jornaleiro:
toda semana chegavam os fascículos e eu ia correndo para a banca. Acho que era
toda quinta-feira que chegava. Na quarta, eu já começava a encher o jornaleiro:
“Já chegou? Já chegou?”. Era uma coleção internacional em que obviamente eu não
me sentia representada. Na época, eu me perguntava: “Mas por que não tem nenhum
pintor negro aqui?”, “Por que não tem um brasileiro aqui?”. Então, por exemplo,
Picasso me chamou muito a atenção pela excelência do desenho e até hoje eu acho
que Picasso é muito mais desenhista do que pintor. Todo mundo que gosta de
desenho vai gostar de Picasso, não tem como! Porque ele realmente faz soluções
muito inovadoras para o desenho, mas eu não considero assim uma influência.
Aprendi muito obviamente olhando os desenhos renascentistas, o desenho europeu,
mas não sei se eu poderia falar que são influências fortes, ou que foram
influências fortes nesse primeiro momento da universidade, mas os museus me
atraíam muito. Acho que o museu dava a possibilidade de desenvolver o lado
artístico e também o lado da ciência, que eu gosto muito, então não foi à toa
que eu acabei ficando quase três anos como estagiária do laboratório de papel,
de conservação e restauro de papel do MAC USP (Museu de arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo) . Meio lógico, porque restauro junta duas paixões
que eu tenho, a paixão por papel, porque eu gosto de desenho, mas eu acho que
gostar de papel também ajuda a gostar da gravura, e a paixão por Química e
Biologia. Porque restauro é isso! É
Química, é Física, é Ciência aplicada à Arte, nesse sentido de técnica mesmo,
então tive a sorte de conseguir estágio como assistente no laboratório de
restauração do MAC USP. Sobre os professores e professoras na USP eu tive muita
sorte de entrar num período muito bom da universidade. Tadeu Chiarelli foi uma
pessoa fundamental, inúmeras vezes depois da aula dele, que era numa sexta à
tarde, se não me engano, nós íamos, eu e
alguns outros alunos tomar um café com um pão de queijo na lanchonete dos
estudantes...Essas conversas depois da aula foram absolutamente fundamentais
para pensar arte, pensar o que é um projeto artístico e isso eu carrego comigo,
não tem como tirar! O Evandro Carlos Jardim foi um professor notável,
absolutamente fantástico em todos os sentidos, tendo a técnica de professor, de
mestre mesmo... eu tive essa sorte de ter professores muito bons. Anna Teresa
Fabris foi uma grande professora também, foi muito bom ter estudado com ela...
a Regina Silveira na área da gravura, que era uma das coisas que eu queria...
então, a ECA – USP (Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo )
foi uma grande escola.
Há algum percurso ou modo de
aproximação que você acredita ser interessante compartilhar com os professores
para se inspirarem no momento de compartilhar o seu trabalho com os estudantes
do Ensino Médio?
Olha, eu acho que não há um percurso que eu
possa sugerir, porque isso varia também de como o professor vai se aproximar do
meu trabalho. Um trabalho sempre se completa com o outro, então o trabalho é
aquilo que eu proponho mais a experiência de quem vê. Sugerir um roteiro, um
modo de aproximação, eu acho um pouco complicado, porque pode ser uma “camisa
de força”; o roteiro pode tirar o impacto daquele contato inicial com o
trabalho. Agora uma coisa que eu diria: “Não tenha medo do trabalho, não tenha
medo, se aproxime com curiosidade...” e voltamos de novo à curiosidade. Se
aproxime do trabalho com curiosidade! Olhe com atenção, faça perguntas. Por que
foi usada essa técnica? Por que, nesse caso, ela usa a colagem, no outro ela
usa tecido, no outro ela costura, no outro faz gravura? Ela usa fotografia?
Então, “pergunte ao trabalho”, olhe com curiosidade para o trabalho. E ainda
uma coisa que eu acho que vale a pena chamar a atenção é que a arte, para
alguns artistas, como é o meu caso, a arte somente em si não basta, ela tem que
dialogar com outras áreas. Então, no meu caso, vou dialogar com a História, vou
dialogar com a Ciência, com a Sociologia, vou dialogar com várias outras
vertentes e também com a Arte popular; vou dialogar com a costura, e com vários
elementos que são formativos, que são importantes para mim. Então diria isso
também: “Curiosidade! “Pergunte ao trabalho” e note como o trabalho conversa
com outras áreas